21 Julho 2021
"Estamos em uma encruzilhada: ou a humanidade aprende a viver em paz com a natureza ou vai caminhar para uma Terra Estufa e inabitável", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia pela CEDEPLAR-UFMG, em artigo publicado por EcoDebate, 20-07-2021.
O aquecimento global antropogênico é uma realidade que nem os negacionistas são capazes de obnubilar, embora tentem atenuar a participação humana no aumento do efeito estufa e busquem minimizar os efeitos danosos para a população mundial. Os desastres climáticos estão se multiplicando e ficando mais letais, como as ondas de calor e as tempestades, tristemente, estão indicando.
Os dados da NOAA, apresentados no gráfico abaixo não deixam dúvidas que não somente há um aumento da temperatura da Terra, como este aumento está se acelerando. A partir da década de 1970 os aumentos foram ficando mais significativos. Na década 1980-90 o aumento foi de 0,13º C na década e no decênio passado (2011-20) o aumento foi de 0,44º C na década.
Segundo o famoso climatologista James Hansen, a temperatura global atual está 1,2º C maior do que o período base 1880-1920 (que é considerado a melhor estimativa da temperatura pré-industrial). A Organização Meteorológica Mundial (OMM) estima que o mundo vai alcançar 1,5º C (limite mínimo do Acordo de Paris) em algum momento até 2025. Portanto, a crise climática é uma ameaça existencial à civilização. Embora o ano de 2021 esteja apresentando temperaturas mais baixas do que o quinquênio anterior, os últimos 8 anos (2014-2021) são os mais quentes do Holoceno.
Mas para quem pensa que a ameaça climática só vai afetar apenas as futuras gerações a realidade está mostrando que o preço pelos danos que a humanidade causa ao meio ambiente já estão cobrando o preço atualmente. Como mostrei no artigo “As catástrofes naturais globais em 2019” (Ecodebate, 02/03/2020). As perdas gerais decorrentes de catástrofes naturais em todo o mundo em 2019 totalizaram US$ 150 bilhões, segundo a seguradora Munich Re. Houve 820 eventos que causaram perdas em 2019, em comparação com 850 eventos em 2018. As perdas seguradas nos eventos de 2019 totalizaram US$ 52 bilhões, abaixo dos US$ 86 bilhões em 2018. Catástrofes naturais em 2019 causaram cerca de 9.000 mortes, em comparação com 15.000 em 2018.
O quadro de 2021 está ainda pior, mesmo considerando apenas os 7 meses do ano. O mundo se assustou com as altas temperaturas do Canadá e a onda letal de calor que matou milhares de pessoas no hemisfério Norte. Fez mais calor em Washington-DC e Nova York do que em Lahore, Paquistão. A Califórnia enfrenta secas e queimadas – de novo. Algo está muito errado. Não apenas errado de uma maneira usual, mas errado de uma forma estranha e fora do comum. Esses são “eventos extremos” que os cientistas temiam há muito tempo. Mas até mesmo os cientistas estão chocados com o quão repentinamente e quão extremos e frequentes os desastres estão se multiplicando. Em 2021, a temporada de furacões e tufões começou mais cedo e deve provocar mais danos do que em anos anteriores.
Os subúrbios de Tóquio foram inundados com as chuvas mais fortes desde o início das medições e um mês normal de julho caiu sobre Londres em um dia. Ao menos 250 pessoas morreram e milhares estão desaparecidas devido às chuvas dos últimos dias na Europa, que fizeram os rios transbordarem e levaram tudo pelo caminho, principalmente na Alemanha e na Bélgica. O país mais afetado é a Alemanha, onde mais de 200 mortes foram confirmadas até o momento e cerca de 1,3 mil pessoas estão desaparecidas apenas em um distrito ao sul de Colônia, no oeste do país.
No Brasil os reservatórios de água nunca estiveram tão baixos para esta época do ano e o país vive uma ameaça de apagão energético e de crise hídrica. Enquanto isto as queimadas na Amazônia Legal disparam, como aponta Inpe. O fogo é reflexo direto do aumento do desmatamento e os números são alarmantes. O Brasil virou vilão mundial do clima e o quadro continuou ruim mesmo depois da saída do “sinistro” Ricardo Salles.
O jornalista David Wallace-Wells tem escrito sobre a possibilidade de uma catástrofe ambiental e o seu livro “The uninhabitable Earth: life after warming” (2019), mostra que os efeitos do aquecimento global vão ser abrangentes, terão um impacto muito rápido e vão durar muito tempo. A degradação ambiental já está ocorrendo e trazendo danos em várias áreas, como a acidificação dos solos, águas e oceanos, a precarização dos ecossistemas e os desastres climáticos extremos, como secas, chuvas, furacões e inundações de grandes proporções (Alves, 2020).
Alguns cientistas temem que os choques recentes indiquem que o sistema climático pode ter cruzado um limiar perigoso. Em vez de temperaturas subindo suavemente e extremos cada vez mais elevados, eles estão examinando se a tendência pode ser cada vez mais não linear, pois o padrão que estamos vendo agora é algo novo, algo que excede até mesmo as piores expectativas da ciência, fato que é genuinamente chocante e perturbador. Assim, estamos em uma encruzilhada: ou a humanidade aprende a viver em paz com a natureza ou vai caminhar para uma Terra Estufa e inabitável.
ALVES, JED. As catástrofes naturais globais em 2019, Ecodebate, 02/03/2020. Disponível aqui.
ALVES, JED. A dinâmica demográfica global em uma “Terra inabitável”. RELAP, Vol. 14 – Número 26, Janeiro de 2020. Disponível aqui.
DALY, Herman. Three Limits to Growth. Resilience, 05/09/2014. Disponível aqui.
Facts + Statistics: Global catastrophes, Insurance Information Institute, 2020. Disponível aqui.
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Estamos no começo do aquecimento global descontrolado? Artigo de José Eustáquio Diniz Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU